quarta-feira, novembro 21, 2007

O Amarelo da Carris


Andar de autocarro em Lisboa é uma das melhores experiências sociológicas que se pode ter, e uma óptima preparação para a vida adulta, aprendendo expressões que fariam Gil Vicente corar. Longe vão os tempos do "laranja", e muitos nunca viram os verdes de dois andares.
Andei de autocarro toda a vida, até à pouco tempo tirar a carta e comprar o meu popicas, mas de quando em quando até gosto de ir andar e matar saudades. Obviamente, arrependo-me amargamente cinco segundos depois de ter entrado.
É sem dúvida alguma que nos autocarros vemos a falta de civismo ao mais alto nível. Empurra-se para entrar, o que até é compreensível, empurra-se para sair, o que já se torna dantesco. Ó amiga, se eu vou sair também, porque é que está a tentar atirar-me para a calçada?! Já lá dentro, é a corrida de gazelas para os lugares, as histórias intermináveis que são muito menos interessantes que a do cão com o puto às costas, os médicos e os enfermos, a marquesa e a aspirina. E claro, o meu clássico preferido. As pessoas que resmungam e discutem, calorosamente, sozinhas, porque jovem em plena flor da idade como eu vão sentados e eles, pobres idosos a dever anos à cova, vão de pé.
Lembro-me nitidamente de um dia que, devido a um acidente aparatoso de consequências graves, entrei no metro a saltitar, tic-tic nas minhas canadianas. Ligaduras no joelho, máquina de suporte, enfim, uma lindíssima parafernália que, julgava eu, ó que ingénua!, que me dava direito a um lugarzito nos banquinhos reservados "a grávidas, acompanhantes de crianças de colo e deficientes físicos".
Nicles, nem uma alminha se levantou para me dar lugar. Desde esse dia nunca mais me levantei para dar lugar a ninguém. Tornei-me um daqueles seres que entram no autocarro e compõem uma expressão de profundo desprezo. Cada vez dou mais razão à minha avó, olhos no chão, toca a campainha, e sai sem dar cavaco a ninguém.
Carlos do Carmo cantou o amarelo da Carris, e muito bem. E eu continuo a gostar do amarelo, símbolo da minha cidade. Só não gosto é de quem vai lá dentro, das maneiras que não têm, da falta de civismo, da mesquinhez. Pobre do motorista, eternamente chamado de "ó chefe!", o que atura. Têm o meu eterno respeito. Por isso sei que o meu livro está talhado para o sucesso. "Aprenda a ser Educado nos Transportes Públicos: Um Guia para Ser Civilizado".
Ora tomem.