Um pouco de Peter Pan em mim

Recuso-me a crescer.

Recuso-me a ser completamente adulta.

Gosto de lambuzar-me a comer gelados, fazer balões com a pastilha elástica e rapar a massa do bolo que fica na tigela.

Gosto de brincar com a areia na praia e deitar-me nela para ter desculpa para voltar à água “só para mais um mergulho”.

Gosto de andar de carrinhos de rolamentos, de skate, de jogar ao pião e ao guelas, andar de baloiço e de escorrega.

Gosto de andar descalça, de fazer corridas de caracóis e de ficar tempos inifinitos a ver uma aranha tecer a teia.

Gosto de chamar à colher “mexedorzinho de café”, à torradeira “torra-tudo” e ao espanador “franjinhas”.

Gosto de abrir o frigorífico e dizer ”Então James, o que há para comer?”, ou dizer à minha mãe para ligar o Anselmo... ou melhor, o computador.

Gosto de dizer “Tenho uma teoria...” e de fundar grandes organizações como a Irmandade do Corta-Unhas.

Gosto de estar à lareira sem me importar por ficar a cheirar a fumo, de brincar com um cão sem me importar com os arranhões, de jogar à sardinha com a minha pequenina.

Gosto de me sentar perto da janela, à noite, e tocar guitarra de mansinho, e ver os meus vizinhos que me viram crescer sorrir para mim na manhã seguinte.

Gosto de dar prendas, e de fazer as próprias prendas.

Gosto de peluches malucos, e de lhes dar nomes ainda piores... como ter um sapo chamado Malaquias...

Gosto de me vestir de preto, de cachecóis e óculos de sol, de vozes bonitas e sorrisos francos.

Gosto de ver filmes animados, e cantar as canções que conheço de cor.

Gosto de dormir ao relento no Verão para ver as estrelas cadentes, de andar a chuva no Inverno e saltar nas poças.

Gosto de descer a Serra a pé, à noite, e ver as luzinhas que enfeitam a encosta, de chegar a casa no Inverno e sentir o cheiro de chocolate quente.

Gosto de fazer a Árvore de Natal, e um Presépio onde até há um polícia... e enfeitar toda a casa, até a cozinha e a casa de banho!

Gosto de ler e reler o Principezinho vezes sem conta, de jogar xadrez e “cavalinhos”.

Gosto de abraçar a minha prima preferida, fazer uma festa na barriga e dizer: olá bebé!

Gosto de ficar horas esquecidas a ler, a conversar, ou a passear sem rumo por Lisboa.

Gosto de me pendurar no pescoço da minha mãe no hipermercado e pedir um chocolate, ou puxar o meu pai por um braço para perto de um carrossel e pedir uma voltinha.

Gosto de dizer que a minha mãe é mais bonita, o meu pai o mais forte, a minha irmã a mais querida e os meus amigos os melhores do mundo.

Gosto de me enroscar no colo do meu pai e ser menina pequenina outra vez, e desatar o avental da minha mãe e fugir dela... rir até às lágrimas com a minha irmã e abraçar os meus amigos.

Gosto de ser criança de vez em quando. E a razão para isso é que, simplesmente, fui uma criança muito, muito feliz. Por isso, costumo dizer que, se pudesse escolher uma idade para viver o resto da vida, escolhia voltar aquela pequena faixa dos 6 aos 8 anos... ser pequenina para sempre e nunca, nunca ser grande.