sexta-feira, junho 15, 2007

O menino da madrinha

Quem me conhece e costuma dar uma espreitadela aqui ao blog, estranhou eu não ter colocado um post sobre o Santo António, ou qualquer coisa a dizer "A minha Carnide é linda!" E apesar de eu continuar a gostar da festa, e da minha marcha ser linda, este ano houve um negrume que cobriu a alegria dos Santos e da vida e deu lugar a uma tristeza infinita.
O meu afilhado chamava-se Guilherme. Tinha quase 14 meses, ou seja, já era um homem feito. Tinha caracóis louros e olhos azuis, um sorriso travesso e uma energia inesgotável. Já dizia mãe, pai, papa, popó e Babu, o nome que deu ao ursinho de pelúcia que lhe comprei no dia que nasceu. Para mim, guardava a palavra "tia", com um sorriso maroto, palavra arrancada a ferros para me contrariar.
O meu menino gostava de banana esmagada com sumo de laranja, de sopa de peixe, de dormir abraçado à cadela como se ela fosse uma almofada. Gostava de todos os brinquedos que tinha, mas só dormia com o pobre Babu.
O meu menino nunca chorava nem nunca fazia birras. Dormia à hora certa, cantarolando uma música que ele inventava para adormecer. Era capaz de estar horas esquecidas a puxar as orelhas à "Barracuda", que agora fareja a casa inteira e uiva, à procura daquele que também era o seu menino.
O meu menino não aguentou a febre escarlatina e as convulsões, e deixou-nos no 12 deste mês, já a tarde ia tarde, e o telefone tocou no bolso e eu ouvi do outro lado um pai desesperado.
Esta manhã despedimo-nos dele. Todos nós. Olhei para os pais, que se abraçavam e tentavam mitigar uma dor que nunca mais há-de desaparecer, porque aquele era o seu menino, um filho desejado e amado. Não consegui dizer nada, apenas os abracei, e sei que eles entenderam... nenhum pai devia enterrar um filho, e esta é uma dor que está para além da compreensão humana.
Olhei para tantos, e muitos olharam para mim e não tiveram coragem de me dirigir a palavra. Todos sabiam que o Guilherme era o meu menino, o menino da madrinha, e sabem que eu lido com a dor de forma muito pessoal. Olhei para o pequeno esquife branco e não quis acreditar que ali dentro estava o menino metade anjo, metade príncipe, abraçado ao seu fiel Babu, que o acompanhou desde o primeiro ao último dia. O meu pequenino que esticava os braços e se aninhava no meu colo, que gostava que eu cantasse e lhe contasse histórias, que as ouvia muito compenetrado, com os olhos inundados de uma sabedoria imensa. Naqueles olhos azuis cabia a sabedoria do mundo, e o mundo não aguenta a perfeição.
Deus tem agora no céu o anjo mais belo que alguma vez teve.
Metade princípe, metade anjo.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

fiquei muito triste quando soube, e mais ainda depois de ler este texto... mas vou estar do teu lado sempre que precisares.

M.

1:55 da manhã  
Blogger Chronic Writer said...

Não apaguei o comment anterior porque é um hino à estupidez humana.

Eu escrevo um texto no dia do funeral do meu sobrinho e este tóino vem para aqui falar de t-shirts.

Não há pachorra.

9:31 da tarde  

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