Novas Oportunidades
Por lapso, ou simplesmente porque não quis deitar foguetes antes da festa ( e ainda acho cedo... ) nunca escrevi sobre o o Nelson. Mas creio que ele já merece, pelo menos, uma menção no meu blog, se bem que até merecia uma página inteira no jornal.
Conheci o Nelson a meio de Outubro. Estava eu calmamente a trabalhar, quando uma das minhas colegas chegou enervada a dizer que o segurança do edifício tinha apanhado um drogado a tentar assaltar, roubar furtar, ou que raio seria, o meu carro, e que a polícia vinha a caminho.
Lá pedi autorização para me ausentar da sala, e corri a socorrer o meu pobre e amado Popicas. Confesso que nem precisei de ver o suposto assaltante para saber que ele devia estar desesperado, porque ninguém, no seu perfeito juízo, iria assaltar um carro como um meu, todo escafiado, cheio de mossas e riscos, e lá dentro a única coisa que ele poderia levar era a caixa de Kleenex que ainda por cima está vazia. No entanto, aquela zona tem sido pródiga em assaltos a automóveis ( o meu chefe já foi um dos infelizes contemplados e a minha colega, que tem um carrito semelhante ao meu, já sofreu a mesma sorte ), e lá fiz o meu papel perante as autoridades, um segurança feliz e orgulhoso do seu papel cívico e um desgraçado que chorava baba e ranho e jurava a pés juntos que só estava a ver, só estava ver, dona, eu não faço dessas coisas!
Fui informada pelas nossas distintas, e perdoem-me a descrença, inúteis, autoridades, que não podia apresentar queixa porque o furto não tinha ocorrido, ou seja, não passara de intenção. Meio espantada, perguntei a polícia se podia falar com o suspeito. Recebi como resposta "Depende do que lhe vai dizer." Eu limitei-me a fazer a minha de "Humpf" que aprendi com o meu pai, olhei para aquela cara ainda sem barba e fardinha a cheirar a leite e respondi "Deve ter muito a ver com isso."
Lá fui ter com o Nelson, que chorava que nem uma Madalena-Mais-Do-Que-Arrependida, dei-lhe um cigarro e acendi um também. Lá me contou que andava na droga à mais de quinze anos, e que era da Marinha Grande. Que tinha lá dois irmãos, sobrinhos, tios e alguns primos, mas tinham vergonha dele, e ele de lá voltar. Que só estava a olhar para o carro, não ia fazer nada, dona, não ia não!, e que queria deixar aquela vida não não sabia como. Naquele momento tive uma iluminação, pling! Já eram quatro da tarde, e disse para esperar por mim. Às seis da tarde, quando saí, ele estava à minha espera. Levei-o a jantar ( o que posso dizer que causou muitos olhares de soslaio ) e perguntei se ele queria mesmo mudar de vida. Ele começou a chorar e disse que sim, que era tudo quanto queria.
Está em reabilitação desde então. O início foi duro, mas agora está muito melhor. Limpo, com mais peso e ar saudável, está até bonito. Consegui inseri-lo num programa graças não a dinheiro mas a muita gente de bom coração que conheço, que tem patrocinado a sua recuperação. Quando a primeira parte da reabilitação estiver concluída vai rumar até à quinta do Miguel. Um sítio novo, um novo começo.
Não escrevi isto no blog para toda a gente pensar que sou como a Floribella, muito pobrezinha e muito boazinha. Não tem a ver com bondade, na verdade. Tem, única e simplesmente, em tentar ver as pessoas para lá do que parecem. O Nelson podia ter sido uma grande desilusão e não foi; mas foi um risco que corri, dar a cara e o nome por alguém que eu não conhecia que horas atrás tinha tentado roubar-me o carro. Mas é uma satisfação enorme ver que ele está agora no bom caminho, mostrar-lhe que há sempre escolha. Houve para ele, e para mim também. Foi uma escolha por impulso, e ainda bem que a fiz; é o que se chama ouvir a voz de Deus na nossa cabeça. E se ele está, como não se cansa de dizer, agradecido para sempre, eu também estou. O Nelson ensinou-me o poder da escolha, da força de vontade, do arrependimento e da gratidão. Sei que, para onde quer que ele vá, a memória do dia em que o conheci vai persegui-lo, e espero que isso o ajude a manter-se limpo.
Costuma dizer-se que, ao longo da vida, devemos plantar uma árvore, fazer um filho e escrever um livro. Creio que aí podia acrescentar-se ajudar alguém a ser melhor. Talvez alguns de vós lêem isto e abanam a cabeça e acham utópico, e que eu que eu tive foi uma sorte dos diabos, e vamos lá a ver se ele não volta ao mesmo. Talvez tenham razão. mas cada vez que vou visitá-lo e vejo o sorriso a iluminar-lhe o rosto, feliz como um miúdo a mostrar-me as pequenas coisas que fez durante a semana, louco de alegria ao ver que lhe trago mais livros para ler, sei que ele vai no bom caminho, e eu também.
Ele diz que eu fui um anjo que apareceu no seu caminho. Mas eu sei que sou muito afortunada também. O Nelson ensinou-me a ser uma pessoa melhor. E além disso, ganhei um amigo fiel para o resto da vida.
Conheci o Nelson a meio de Outubro. Estava eu calmamente a trabalhar, quando uma das minhas colegas chegou enervada a dizer que o segurança do edifício tinha apanhado um drogado a tentar assaltar, roubar furtar, ou que raio seria, o meu carro, e que a polícia vinha a caminho.
Lá pedi autorização para me ausentar da sala, e corri a socorrer o meu pobre e amado Popicas. Confesso que nem precisei de ver o suposto assaltante para saber que ele devia estar desesperado, porque ninguém, no seu perfeito juízo, iria assaltar um carro como um meu, todo escafiado, cheio de mossas e riscos, e lá dentro a única coisa que ele poderia levar era a caixa de Kleenex que ainda por cima está vazia. No entanto, aquela zona tem sido pródiga em assaltos a automóveis ( o meu chefe já foi um dos infelizes contemplados e a minha colega, que tem um carrito semelhante ao meu, já sofreu a mesma sorte ), e lá fiz o meu papel perante as autoridades, um segurança feliz e orgulhoso do seu papel cívico e um desgraçado que chorava baba e ranho e jurava a pés juntos que só estava a ver, só estava ver, dona, eu não faço dessas coisas!
Fui informada pelas nossas distintas, e perdoem-me a descrença, inúteis, autoridades, que não podia apresentar queixa porque o furto não tinha ocorrido, ou seja, não passara de intenção. Meio espantada, perguntei a polícia se podia falar com o suspeito. Recebi como resposta "Depende do que lhe vai dizer." Eu limitei-me a fazer a minha de "Humpf" que aprendi com o meu pai, olhei para aquela cara ainda sem barba e fardinha a cheirar a leite e respondi "Deve ter muito a ver com isso."
Lá fui ter com o Nelson, que chorava que nem uma Madalena-Mais-Do-Que-Arrependida, dei-lhe um cigarro e acendi um também. Lá me contou que andava na droga à mais de quinze anos, e que era da Marinha Grande. Que tinha lá dois irmãos, sobrinhos, tios e alguns primos, mas tinham vergonha dele, e ele de lá voltar. Que só estava a olhar para o carro, não ia fazer nada, dona, não ia não!, e que queria deixar aquela vida não não sabia como. Naquele momento tive uma iluminação, pling! Já eram quatro da tarde, e disse para esperar por mim. Às seis da tarde, quando saí, ele estava à minha espera. Levei-o a jantar ( o que posso dizer que causou muitos olhares de soslaio ) e perguntei se ele queria mesmo mudar de vida. Ele começou a chorar e disse que sim, que era tudo quanto queria.
Está em reabilitação desde então. O início foi duro, mas agora está muito melhor. Limpo, com mais peso e ar saudável, está até bonito. Consegui inseri-lo num programa graças não a dinheiro mas a muita gente de bom coração que conheço, que tem patrocinado a sua recuperação. Quando a primeira parte da reabilitação estiver concluída vai rumar até à quinta do Miguel. Um sítio novo, um novo começo.
Não escrevi isto no blog para toda a gente pensar que sou como a Floribella, muito pobrezinha e muito boazinha. Não tem a ver com bondade, na verdade. Tem, única e simplesmente, em tentar ver as pessoas para lá do que parecem. O Nelson podia ter sido uma grande desilusão e não foi; mas foi um risco que corri, dar a cara e o nome por alguém que eu não conhecia que horas atrás tinha tentado roubar-me o carro. Mas é uma satisfação enorme ver que ele está agora no bom caminho, mostrar-lhe que há sempre escolha. Houve para ele, e para mim também. Foi uma escolha por impulso, e ainda bem que a fiz; é o que se chama ouvir a voz de Deus na nossa cabeça. E se ele está, como não se cansa de dizer, agradecido para sempre, eu também estou. O Nelson ensinou-me o poder da escolha, da força de vontade, do arrependimento e da gratidão. Sei que, para onde quer que ele vá, a memória do dia em que o conheci vai persegui-lo, e espero que isso o ajude a manter-se limpo.
Costuma dizer-se que, ao longo da vida, devemos plantar uma árvore, fazer um filho e escrever um livro. Creio que aí podia acrescentar-se ajudar alguém a ser melhor. Talvez alguns de vós lêem isto e abanam a cabeça e acham utópico, e que eu que eu tive foi uma sorte dos diabos, e vamos lá a ver se ele não volta ao mesmo. Talvez tenham razão. mas cada vez que vou visitá-lo e vejo o sorriso a iluminar-lhe o rosto, feliz como um miúdo a mostrar-me as pequenas coisas que fez durante a semana, louco de alegria ao ver que lhe trago mais livros para ler, sei que ele vai no bom caminho, e eu também.
Ele diz que eu fui um anjo que apareceu no seu caminho. Mas eu sei que sou muito afortunada também. O Nelson ensinou-me a ser uma pessoa melhor. E além disso, ganhei um amigo fiel para o resto da vida.
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