quarta-feira, agosto 30, 2006

A teoria do corta-unhas


Vivemos tempos perigosos, e não se faz nada para que as crianças cresçam e saibam defender-se. Lá está, eu ainda sou do tempo que nos mandavam à tropa, e de noite largavam-nos na selva com um corta-unhas e um pacote de bolachas Maria e tínhamos, forçosamente, de encontrar o caminho de volta para o quartel. Claro que depois descobríamos que a selva era o descampado do ferro-velho a 50 metros da nossa caserna, mas eram momentos assustadores.

Não é do conhecimento comum, mas existe um verbo que só existe na língua portuguesa. Para além da mítica palavra saudade, existe essa pequena palavrinha que pode ser conjugada de diversas forma, e que caracteriza o verdadeiro português.

Desenrascar.

É verdade. Não é calão nem gíria, é português puro, correcto. E designa uma acção típica do português. Desenrascar. Em nenhuma outra língua existe uma palavra que signifique a capacidade de improvisar perante qualquer imprevisto ( que é o verdadeiro significado da palavra desenrascar, para os mais desinformados ), e é, possivelmente, a principal característica deste povo que se irrita por pouco tempo, porque prefere sentar-se e ver no que dá. Um povo que se tiver o céu azul e pão na mesa já vive sem se preocupar com muito mais. Que deixa tudo para a última hora, e depois diz que a culpa é dos governantes que são todos uns ladrões. Que nunca vira a cara nem as costas, nunca deixa de estender a mão.

Disse o antropólogo norte-americano Phillip Jenkins que “o significado desta forma verbal mostra a irresponsabilidade do povo”. Talvez o “sôtor” até tenha alguma razão. Mas o que mais me preocupa não é isso. É que os nossos petizes vão crescer sem saber o que essa palavra quer dizer. Vivem protegidos, brincam em casa, tem poder sobre professores, voz activa sobre os pais. Já não sobem às árvores, correm pela rua, partem pernas e fumam cigarros às escondidas… e quando fazem asneira, não ouvem a palavra que nos fazia crescer.

Desenrasca-te.