quarta-feira, julho 02, 2008

Maurício


Não sei como tenho um blog à tanto tempo e nunca escrevi sobre uma das pessoas mais incríveis que tenho a sorte de conhecer. Mas é hora de honrar a vontade férrea de um homem que se supera sempre, e que dá sempre a volta por cima, apesar de todas as probabilidades apontarem o contrário.
Ele nunca conheceu a mãe biológica; a madrasta, essa, chegou à vida dele quando a primeira primavera se aproximava. Seria de esperar que ela se perderia de amores pelo menino franzino de olhos escuros, mas infelizmente a história da madrasta má é possível.
Dormia num anexo no quintal, e a primeira vez que se lembra de ter calçado um par de sapatos tinha 6 anos: compraram-lhe um par de botas para levar para a escola, porque no dia anterior tinham feito pouco dele. Levantava-se muito cedo, antes do sol raiar, para tratar dos animais antes de sair para a escola, e deitava-se depois de cumprir a mesma tarefa. Começou a trabalhar com 10 anos, a limpar o chão de uma oficina.
Quem julga que isto aconteceu à muitos anos numa aldeia perdida no mapa, ou numa família com muitas necessidades, engane-se: tudo se passou à vinte anos atrás, às portas de Lisboa, numa família onde ninguém era rico, mas não se passavam necessidades, se não contarmos com o menino que vivia no anexo do quintal.
Foi negligenciado pelo pai e pela madrasta nas necessidades mais básicas de uma criança: comida, cama quente, carinho, afeição, colo, e viu o meio irmão ter em excesso tudo aquilo que lhe faltou.
Cresceu franzino, sério, calado.
Seria de esperar que fosse um marginal, revoltado, que odiasse a família e o irmão. E se até aqui esta história parece ( como o próprio costuma dizer ) um folhetim de má qualidade, a verdade é que, contra todas as expectativas, ele não cresceu revoltado; era trabalhador, aluno brilhante, um irmão protector. Chegou a ter três empregos, e tirou o curso de Medicina Veterinária. Especializou-se e foi viver para perto de Glasgow. Tornara-se naquilo que ninguém acreditava que viria a ser: um homem às direitas.
À alguns anos trás, um queda de cavalo tirou-lhe a mobilidade das pernas. Ele é um homem que não permitem que lhe digam que não é capaz, e mais uma vez provou que a vontade e a determinação valme tudo: quatro anos depois, já dá pequenos passos sem ajudas nem apoios.
O Maurício é admirado e respeitado por ter provado que só nós escrevemos o nosso destino. Que a força move mesmo montanhas. Amigo, irmão, filho e ser humano exemplar, a sua calma e lucidez em momentos de crise valeu-lhe a alcunha de Dr. Xanax. A mim ensinou-me a força do perdão e da bondade, do desejo de ser mais e melhor; ensinou-me a ter esperança no dia em que me disse, de cenho franzido: "Tenho um metro de oitenta e cinco de altura. Posso estar numa cadeira de rodas, mas continuo a ser alto."
Meu amigo, meu mentor, companheiro de horas boas e más, tu que és um exemplo de honra, coragem e esperança, é para ti que escrevo. Em ti deposito toda a minha confiança, e nunca, nunca esquecerei o teu sorriso meigo, voz calma, a tua paciência e perspicácia, mas acima de tudo, o teu olhar bondoso, porém frágil, de menino triste que pede colo.